domingo, 6 de setembro de 2009

Como fazer parar o tempo?| How to grasp the moment?

A escrever a partir de Bird Island, Geórgia do Sul (Antárctica)
Writing from Bird Island, South Georgia (Antarctic)

















(Foca leopardo Hydurga leptonyx a aproveitar mais um dia na Antárctica|If seals spoke our language...a leopard seal Hydrurga leptonyx on just another beautiful day in the Antarctic)

Desde sempre, se ouve dizer "o tempo voa quando nos estamos a divertir" e sem dúvida que este provérbio se aplica a mim. Quando paro e reflicto um pouco, fico perplexo de como já passaram tantos meses (estou há 7 meses na Antárctica). Hoje sinto que parece que foi não ontem, mas no dia anterior, que cheguei à Antárctica. Ao vir para a Antárctica, existe um grupo de sensações evidentes:
























(As minhas memórias poderiam ficar assim, apenas uma pincelada de quem já esteve aqui: contornos do corpo da foca leopardo Hydrurga leptonyx no gelo em cima |My memories could be like this, just nuances that something was here: contours of the leopard seal Hydrurga leptonyx above)


1- Na primeira semana, todos têm umas caras de bebés, ou seja, uma querida cara de felicidade sem grandes expressões e com os olhos gigantes sempre abertos a tentar absorver tudo! Aí, como ainda estamos a adaptarmo-nos à nova casa ( e é preciso saber como tudo funciona, que responsabilidades teremos na gestão da base, etc), e a recuperar da viagem (no meu caso de um cruzeiro cientifico excelente mas também muito exigente a todos os níveis), esses dias são excelentes...tudo é novo!!! Tempo para voltar a lidar com os pinguins e os albatrozes, tirar aquelas fotos que gostariamos de tirar aos albatrozes, pinguins e às focas, que andávamos a sonhar há meses ou anos é como um realizar de um sonho! Descreveria esta sensação como "deslumbramento".

























(Filhote de um albatroz viajeiro Diomedea exulans com os seus medalhões de gelo| A wandering albatross Diomedea exulans with its ice medallions)

2- Após o primeiro impacto, e com muito trabalho pela frente, tenta-se racionalizar tudo o que se faz (ex. para passear pela ilha é preciso ter as noções todas de segurança, usar rádio para estar sempre contactável) e organizar tudo. Nessa fase, o tempo realmente voa, pois ou estás a trabalhar ou a dormir. E aí, o ritmo de trabalho de Cambridge, em Portugal ou na Antárctica, parece ser igual e mal tem-se tempo para relaxar. Concentração é a palavra que estou à procura.


















(Filhote de um albatroz viajeiro Diomedea exulans depois de uma tempestade de neve. Reparar que o ninho nem se vê| A wandering albatross Diomedea exulans chick after a snow storm...notice that the nest is totally covered)

3- Após ganhar o ritmo acelerado de estar em trabalho de campo (é preciso estar em forma pois aqui o modo de viajar na ilha é a caminhar por montes e vales) e de saber como a base funciona, entra-se numa fase de trabalho ainda mais intensiva. Esperámos anos para testar estes aparelhos e para estar aqui. Fazer os primeiros estudos com os pinguins e albatrozes é fascinante e apesar de estar super concentrado no que estou a fazer, estamos todos felizes da vida. Sente-se a cada minuto o privilégio estar em contacto directo com estes magníficos animais.



















(A uns cm de distância de um casal de petréis Macronectes halli|A centimetres of a couple of northern giant pretrels Macronectes halli)

4- Apesar de eu ter uma grande variedade de projectos a decorrer ao mesmo tempo todos os meses, a partir do 3-4 mês, começa-se a ficar "adaptado" a todos os processos que estão a decorrer. Por exemplo, agora já me é possível estimar quanto tempo demorará colocar os aparelhos GPS nos albatrozes cada mês (muito importante pois se vejo na previsão metereológica que tenho 2 dias para colocar esses aparelhos, agora posso dizer com segurança "tudo bem, temos tempo. Vamos só amanhã à tarde!". No primeiro mês, desconheciamos a duração das viagens dos albatrozes estavam a fazer este ano, e aí não arriscava nada, e iria para a colónia logo no início do primeiro dia possível, o mais cedo possível. Confortável é a palavra certa.




















(E em alguns dias de tempestade nem vale a pena mexer uma pena...petrel Macronectes spp. coberto quase totalmente de neve| And in some snow stormy days it is better not even moving a feather....giant petrel Macronectes spp. almost totally covered with snow; Photo from Ewan Edwards)


5- Existem alturas que paro, reflicto para pensar e sinto que é incrível estar aqui, agora. Gostaria de congelar estes momentos com todas as sensações que contem e pô-las no bolso para mais tarde recordar. E não consigo parar o tempo, apenas um pouquinho só, e tentar sugar tudo o que estou a observar ao máximo. Aquela foca leopardo que apareceu na praia hà 2 dias foi um desses casos. Deu para estar cara a cara com ela e ficar minutos a vê-la...Tirar fotografias é excelente pois regista aquele momento para recordar mais tarde mas.... Hoje de manhã, num daqueles dias típicos de Inverno, fui ligar os gerador de energia (pois hoje cozinho eu e uma das funções é essa) e ao caminhar reparei na praia uma ave e uma foca a caminhar calmamente entre a neve e algumas poças de água, como quem anda a brincar entre elas.... lindo, lindo de se ver. Este momento não exigia uma fotografia, pois estava mau tempo, mas a sensação de tranquilidade que me transmitiu é indiscritivel...fez-me sentir que hoje é Domingo! Brilhante! Acho que fiquei uns 10 minutos ao frio e ao vento (está muito vento forte hoje!) só a deliciar-me com o momento...


6- Acho que começo a estar na fase de "daqui a pouco tempo já não estarei aqui!" pois só faltam 2 meses, e começo a ter aquela sensação de "esta vai ser a última vez que vou fazer isto". Não fico triste pois acho que este é um processo natural das coisas e continuo com um grande sorriso. Na verdade, para estar aqui, as saudades de toda a família, dos grande amigos, dos momentos perdidos que nunca se irão repetir (os aniversários, o nascimento dos filhotes dos nossos grandes amigos, os dias clássicos de ondas perdidas, o estar com toda a familia junta naquela ocasião especial...), foram um desafio e vai ser bom estar com todos novamente e mostrar-lhes o paraíso que a Antárctica é. A alegria mantem-se e deixa-me feliz saber que quando for embora, levarei mais um pouco da Antárctica comigo...mas mais importante que isso, saber que contribui um pouco com a minha ciência para que as aves e as focas possam continuar a passear entre as poças de água felizes da vida...

We have a saying in Portugal (and possibly everywhere in the World) that says "Time flies when you are having fun!" and definetely that applies to me. I has been 7 months since I arrived in Antarctica. It does not seem it was yesterday that I arrived here, but just the day before that! Coming to Antarctica we have huge number of sensations. The first one is being amazed by everything. We spend the first days looking like babies (not many expressions in the face, eyes wide open, absorving everything) and trying to get into rythm mode. As we have to do loads of fieldwork, we have to get our bodies used to walking long hours up and down the hills in cold temperatures, and prepare all the science. During this time is also, the opportunity to take that albatross or penguin photo that you spent months or years dreaming about and you are saying "HUUAUUU" all the time. Then the fieldwork kicks in and the work is very intensive, and being in Portugal, Cambridge or in the Antarctic, it seems not t omake such a difference. You are working full on or sleeping. Despite having numerous science projects at the same time, after a few months, it is possible to be confortable on how things are going. For example, when deploying GPS loggers, I know that the wandering albatrosses have been doing this year and the approximate time needed to deploy devices. If there is a 2 days of good weather, I know now that we have time enough to do them (in May I didn´t and we would go as early as we could to try and deploy them). Now, with 2 months to go, I stop sometimes and reflect on the amazing times I have had here. I would love to freeze some of those moments (with all the feelings it caused in me) that I could put them in my pocket and take them out to make me smile whenever I needed them. Today, while going to put the generator on, I saw a giant petrel just walking nicely between the snow and the water pools and it was beautiful to see. A photo would not have worked (the sky is dark, the giant petrel was far away) but it felt so beautiful to see...Starting to have the feeling of "soon I will be gone!" although there are still 2 months to go. I am not sad and surely I will keep a big smile. Indeed, it has been hard missing all the family adventuras and reunions, the birth of your best friends son, the classic surfing days,...and it will be great to see them all again and show everyone how amazing the Antarctic is. I surely will take a bit of Antarctica with me wherever I go, and is such a great feeling that my science will contrubite in such a way that the seals and the petrels will continue walking between the snow and the water ponds happily....

4 comentários:

Anónimo disse...

GOSTEI MUITO DO BLOG DESTA SEMANA
MUITO BEM ESCRITO E MUITO LINDO

Anónimo disse...

Comecemos por perguntar ao "cozinheiro" José se a paparoca estava bem apaladada ou se, pelo contrário, houve levantamento de rancho :))))
Quanto aos tais momentos que apetece guardar no bolso, eu, aqui nesta terrinha,ha dias atrás, ao sair à rua depois de uma monumental chuvada, respirei fundo várias vezes, enquanto caminhava entre prédios cercados por uns minimos espaços verdes, para sentir o cheiro a terra molhada descer às profundezas do meus pulmões! E era tanto e tão bom que me senti MUITO BEM!
Quanto ao seu "post", tal como diz o "vizinho de cima" está muito bem escrito e transmite coisas muito bonitas. Enfim, o ...COSTUME!!!
Um abraço grande
Helena

Fatima disse...

José Xavier boa noite e antes de mais as minhas desculpas por andar afastada deste fantástico blog.
O tempo não tem chegado para tudo, e este blog eu gosto de ler com atenção, de de digerir lentamente todas as letras, ideias e imagens da viagem.
Mesmo sem ter o som do computador ligado, consigo ouvir as ondas, os pinguins, os albatrozes, até se ouvem os talheres das vossas refeições...
Obrigada por esta excelente partilha, e quando a viagem acabar, de vez em quando porque não repetir um destes post, só para que todos possamos recorda a viagem...
Abraço e tudo e bom

Jose Xavier disse...

Obrigado Helena e Fátia pelos comentários!!!

Beijinhos

José