quinta-feira, 10 de outubro de 2024

Expedição Antártica - Antarctic Expedition of Milene Guerreiro (2023-24) (see in english language below)






Por Milene Guerreiro (estudante de Doutoramento da Universidade de Coimbra)



Hoje, partilho convosco aquela que foi uma das experiências mais desafiantes e emocionantes da minha vida: a minha primeira expedição à Antártida! Embarquei nesta jornada em fevereiro passado, integrando a primeira expedição científica portuguesa de veleiro à Antártida – a expedição COASTANTAR.  Durante 15 dias navegamos pela Península Antártica a bordo do veleiro El Dóblon, numa missão científica que tinha tanto de ambicioso como de entusiasmante. A bordo encontravam-se 11 cientistas de diversas áreas – biologia, microbiologia, geofísica, geologia, arquitetura e até sociologia – e 1 videógrafa, reunidos com um objetivo comum: compreender os impactos ambientais naquela região, uma das que mais tem aquecido no planeta devido às alterações climáticas. Eu embarquei em representação do projeto SAIL-BIO, com o objetivo de estudar a relação entre os microplásticos e o zooplâncton ao longo da Península Antártida. As alterações climáticas, em combinação com o aumento das atividades humanas, como a pesca, o turismo e as atividades de investigação científicas, exigem a compreensão dos níveis de poluição de os seus efeitos nos ecossistemas marinhos antárticos. Entre os poluentes mais preocupantes estão os microplásticos, que causam não só danos físicos aos organismos, mas também transportam outros contaminantes, multiplicando o seu impacto na vida marinha. 


A expedição teve início na ilha de King George e seguiu até Palmer, passando por Livingston, Deception, Cierva Cove e Cover Ville. Cada lugar apresentava um cenário novo, paisagens de uma beleza brutal, gelo que se estendia até perder de vista, icebergs e vida selvagem como nunca tinha antes visto. Ao longo deste percurso e sempre que tinha oportunidade, fui cumprindo o meu papel a bordo: recolher amostras de zooplâncton e de microplásticos para o projeto SAIL-BIO. Para tal, utilizei uma rede com uma malha muito fina que foi arrastada na coluna de água e que filtrou estes pequenos organismos e partículas da água. Para além disso, também recolhi amostras de água para analisar as comunidades de bactérias, com vista a explorar a sua relação com a origem dos microplásticos. Trabalhar na Antártida foi um desafio: as águas geladas e o clima imprevisível impunham dificuldades diárias, e cada recolha de amostras era uma verdadeira conquista. 

Agora, de regresso ao laboratório, a nossa equipa do projeto SAIL-BIO está a analisar as amostras e os primeiros resultados começam a surgir. Estas permitirão conhecer melhor a composição e distribuição de zooplâncton e dos microplásticos ao longo da Península Antártica e a sua relação com os fatores ambientais e níveis de poluição. 

No entanto, esta aventura começou muito antes de pisar o convés do El Dóblon. A preparação começou meses antes, entre reuniões, planificações, preparação de todo o material e logística. Fizemos formações de primeiros socorros e segurança no mar e até fizemos um retiro para conhecer a equipa e alinhar expectativas. A expedição exigiu uma entre ajuda máxima entre cientistas e a tripulação, unidos com o propósito de levar esta expedição a bom porto. 

No dia 28 de Janeiro, deixei Lisboa rumo a Punta Arenas, no Chile, a última paragem antes da travessia para a Antártida. Estivemos 5 dias nesta cidade, a fazer os últimos preparativos para a expedição e já com parte da equipa reunida. No dia 1 de fevereiro, aterrámos na ilha de King George, onde pisei o solo antártico pela primeira vez. Chegados à Antártida, passámos cerca de uma semana na base científica do INACH – Instituto Antártico Chileno, à espera do nosso veleiro. Parte da equipa da expedição deu logo início aos seus projetos, e eu tive a oportunidade de ajudar em alguns, como o Polar Buildings, cujo objetivos era reconstruir um yurt, um abrigo do INACH na Baía de Collins. Também tive a oportunidade de explorar algumas áreas da ilha e tive o primeiro contacto com a biodiversidade local, numa colónia de elefantes-marinhos. 

Após uma semana, e depois de alguns contratempos, subimos a bordo do nosso veleiro e na madrugada seguinte zarpámos rumo a sul. A primeira paragem foi na Ilha de Livingston, onde comecei a recolha de amostras. De lá, seguimos para a ilha de Deception, uma caldeira vulcânica submersa, cuja história como antiga estação baleeira se fazia sentir nas ruínas que exploramos entre os lobos-marinhos que nos observavam, curiosos e desconfiados. Foi em Deception que procurámos abrigo enquanto as condições do mar se mantinham agitadas. Quando o tempo melhorou, continuámos rumo a sul até Cierva Cove. Quando lá chegámos, era uma tarde tranquila, com o sol a afundar-se no horizonte, refletindo um tom dourado no gelo. A quantidade de gelo na água, alguns blocos de maiores dimensões, tornou o ambiente mais tenso e exigiu atenção redobrada. O silêncio era quebrado apenas pelo estalar do gelo e a respiração profunda de uma baleia que nadava perto do barco. À medida que navegávamos mais para sul, avistávamos cada vez mais vida selvagem: baleias a nadar nas águas gélidas, focas e pinguins descansando em plataformas de gelo. Em Cover Ville, um pouco mais a sul, ajudei um colega biólogo a recolher amostras de peixes e anfípodes, enquanto pinguins-gentoo e pinguins-de-barbicha atravessavam velozes a água até chegarem à praia, onde se moviam de forma um pouco mais desajeitada. As colónias de pinguins nas proximidades subiam a encosta e eram impressionantes, não só pelo seu tamanho, mas também pela sensação de liberdade que transmitiam, verdadeiramente cativante. No último troço da viagem para sul, até à estação americana de Palmer, tive a oportunidade de ver os maiores icebergs, maiores que alguns edifícios, blocos de gelo com um tamanho impressionante, ainda mais se pensarmos que estava a ver apenas cerca de 10% do seu tamanho total. Na base Americana Palmer tivemos a oportunidade de visitar a sala dos aquários, onde normalmente se realizam projetos de biologia marinha experimental. Logo depois, iniciámos a viagem de regresso a King George, numa travessia pontuada por recolha de amostras e cenários mágicos. Ao regressarmos a Livingston, fizemos uma visita rápida à base espanhola de Juan Carlos I e base Búlgara São Clemente de Ohrid. Depois de um último esforço para recolher amostras e com a meteorologia a ameaçar a nossa viagem de avião de regresso ao Chile, voltámos antecipadamente ponto de partida: a Ilha de King George. 

Ao longo de todo o percurso, a vida a bordo foi intensa e atarefada. O El Dóblon, um veleiro de 24 metros de comprimento que abrigou 16 pessoas e todo o material científico necessário, tornando o espaço limitado e desafiando a nossa capacidade de adaptação. No entanto, a cooperação e o espírito de equipa foram fundamentais para o sucesso da expedição e os 10 projetos trazidos a bordo. Cada paragem, sempre com tempo limitado, exigia que aproveitássemos ao máximo a oportunidades para recolher amostras e dados para cada projeto. Durante as travessias, eu dedicava-me à recolha das minhas amostras, enquanto o material dos outros projetos era preparado e a próxima etapa era planeada com o máximo cuidado. Cada recolha de amostras, cada conversa e cada dia partilhado ajudou a fortalecer os laços entre todos nós e o nosso trabalho, deste os cientistas à tripulação. 

A aventura foi exaustiva, mas também incrivelmente enriquecedora. O trabalho de laboratório que está agora a decorrer traz a responsabilidade de traduzir esta experiência em conhecimento e ação. É urgente entender o impacto da poluição e alterações climáticas e proteger este ecossistema tão frágil e fascinante. Ao rever as fotografias e recordar os momentos vividos, percebo que estas imagens são apenas um vislumbre da grandiosidade que é visitar este local. O silêncio e ar gelado, a vastidão do branco, o azul do gelo e a biodiversidade local são experiências que as palavras e fotos não conseguem captar por completo.  Voltei da Antártida com um desejo mais forte de fazer tudo o que está ao meu alcance para proteger este lugar único no planeta e com o sonho de um dia lá voltar. 








Antarctic Expedition of Milene Guerreiro (2023-24)


Today, I’m sharing with you one of the most challenging and exciting experiences of my life: my first expedition to Antarctica! I embarked on this journey last February as part of the first Portuguese scientific sailing expedition to Antarctica — the COASTANTAR expedition. For 15 days, we sailed along the Antarctic Peninsula aboard the sailing boat El Dóblon, on a scientific mission that was both ambitious and exciting. On board were 11 scientists from different fields — biology, microbiology, geophysics, geology, architecture, and even sociology — and a videographer, all gathered with a common goal: to understand the environmental impacts in this region, one of the fastest warming areas on the planet due to climate change. I joined the expedition as a representative of the SAIL-BIO project, which aims to study the relationship between microplastics and zooplankton along the Antarctic Peninsula. Climate change, combined with increased human activities such as fishing, tourism, and scientific research, urges the understanding of pollution levels and their effects on Antarctic marine ecosystems. Among the most concerning pollutants are microplastics, which not only cause physical damage to organisms but also carry other contaminants, multiplying their impact on marine life.

The expedition began on King George Island and continued to Palmer, passing through Livingston, Deception, Cierva Cove, and Cover Ville. Each location was a new environment, with breathtaking landscapes, ice stretching as far as the eye could see, icebergs, and wildlife like I had never seen before. Throughout the journey, whenever the opportunity arose, I fulfilled my role on board: collecting zooplankton and microplastic samples for the SAIL-BIO project. For this, I used a net with a fine mesh that was towed through the water column, filtering these small organisms and particles from the water. I also collected water samples to analyse the bacterial communities, aiming to explore their relationship with the origin of microplastics. Working in Antarctica was a challenge: the icy waters and unpredictable weather presented daily difficulties, making each sample collection a real achievement. 

Now, back in the laboratory, our SAIL-BIO team is analysing the samples, and the first results are emerging. These will allow us to better understand the composition and distribution of zooplankton and microplastics along the Antarctic Peninsula and their relationship to environmental factors and pollution levels.

However, this adventure began long before setting foot on the El Dóblon’s deck. The preparation started months earlier with meetings, planning, and organising all the equipment and logistics. We underwent first aid and safety at sea training, and even participated in a retreat to get to know the team and align expectations. The expedition required maximum cooperation between scientists and crew, united by the common goal of making this expedition a success.

On January 28th, I left Lisbon for Punta Arenas, Chile, the last stop before the crossing to Antarctica. We spent five days in the city making the final preparations for the expedition, with part of the team already gathered. On 1st February, we landed on King George Island, where I set foot on Antarctic soil for the first time. Once in Antarctica, we spent about a week at the INACH — Chilean Antarctic Institute — scientific base, waiting for our sailboat. Some of the team members immediately started their projects, and I had the opportunity to help some of them, such as Polar Buildings, whose aim was to reconstruct a yurt, a shelter belonging to INACH in Collins Bay. I also explored some areas of the island and had my first encounter with the local biodiversity, including a colony of elephant seals.

After a week and a few setbacks, we finally boarded our sailboat and headed south early the next morning. The first stop was Livingston Island, where I started collecting samples. From there, we proceeded to Deception Island, a submerged volcanic caldera, whose history as a former whaling station could still be felt in the ruins we explored, surrounded by curious and wary fur seals. We took refuge at Deception while the sea conditions remained rough. When the weather cleared, we headed south to Cierva Cove. When we arrived, it was a calm afternoon, with the sun sinking into the horizon, casting a golden glow over the ice. The amount of ice in the water, some blocks of considerable size, made the environment tense and required extra caution. The silence was broken only by the cracking of ice and the deep breath of a whale swimming close to the boat. As we sailed further south, we encountered more and more wildlife: whales swimming in the icy waters, seals, and penguins resting on ice platforms. At Cover Ville, a little further south, I helped a fellow biologist collect fish and amphipod samples, while gentoo and chinstrap penguins race through the water before reaching the shore, where they moved more clumsily. The nearby penguin colonies climbing the hillside were impressive, not only for their size but also for the sense of freedom they conveyed, which was truly captivating. On the last leg of our journey south, towards the American station of Palmer, I had the chance to see the largest icebergs, bigger than some buildings, blocks of ice of astonishing size, especially considering I only saw about 10% of their total volume. At the American Palmer Station, we had the opportunity to visit the aquarium room where experimental marine biology projects are usually carried out. Soon after, we began our journey back to King George Island, a crossing marked by sample collections and magical scenery. On our return to Livingston, we paid a brief visit to the Spanish Juan Carlos I and the Bulgarian St. Kliment Ohridski stations. After a final effort to collect samples and with the weather threatening our return flight to Chile, we headed back to our starting point: King George Island.

Throughout the entire journey, life on board was intense and busy. The El Dóblon is a 24 meters long sailboat that accommodated 16 people and all the necessary scientific equipment, making space limited and challenging our adaptability. However, cooperation and team spirit were crucial to the success of the expedition and the 10 projects on board. Each stop, always with limited time, required us to make the most of every opportunity to collect samples and data for each project. During the crossings, I concentrated on collecting my samples while the other projects’ materials were prepared, and the next stage was planned with the utmost care. Every sample collection, every conversation and every day spent together helped to strengthen the bonds between all of us, from scientists to the crew.

The adventure has been exhausting, but also incredibly rewarding. The laboratory work now underway brings with it responsibility to translate this experience into knowledge and action. There is an urgent need to understand the effects of pollution and climate change and protect this fragile and fascinating ecosystem. As I look back at the photographs and recall the moments lived, I realise that these images are only a glimpse of the grandeur that is visiting this place. The silence and cold air, the vastness of the white, the blue of the ice, and the local biodiversity are experiences that words and photographs cannot fully capture. I returned from Antarctica with a stronger desire to do everything in my power to protect this unique place on the planet, and with the dream of returning one day. 







 

Equipa da expedição COASTANTAR.

COASTANTAR expedition team.  


 

  

Amostragem de zooplâncton e microplásticos para o projeto SAIL-BIO.

Sampling zooplankton and microplastics for the SAIL-BIO project.





 

Iceberg de grandes dimensões avistado na travessia entre Cover ville e Palmer. 

Large iceberg spotted on the crossing between Cover ville and Palmer.




 

Amostragem de organismos aquáticos em Cover ville, rodeados de pinguins-gentoo e pinguins-de-barbicha.

Sampling aquatic organisms in Cover ville, surrounded by gentoo and chinstrap penguins.


 

Veleiro El Doblón. 

Sailboat El Doblón.

 






Visita à base Búlgara São Clemente de Ohrid. 

Visit to the Bulgarian St. Kliment Ohridski Station. 


 




  

Vida selvagem na Antártida: elefantes-marinhos e pinguim gentoo a descansar na praia.

Wildlife in Antarctica: elephant seals and gentoo penguins resting on the beach.